Chão úmido, escorregadio. A perna cansada tentava caminhar pela encosta daquela colina coberta de grama. Sob aquela imensa “floresta verde”, mal dava para ver o céu repleto de pesadas nuvens. Chuva fina... cada gota que tocava meu corpo me desequilibrava. A cada tombo, eu rolava “montanha” abaixo e tinha que recomeçar. Tentava chegar até o alto daquela colina.
Queria chegar ali.
Às vezes uma enxurrada descia como um rio turbulento bloqueando o meu trajeto. Olhava em volta procurando um meio para atravessar. Não sabia nadar e a correnteza enlameada me causava pânico. Buscava insistentemente encontrar um pequeno galho para subir e tentar chegar do outro lado da margem.
A escuridão em volta me impedia de ver onde estava.
Eu tateava esbarrando nas folhas frias e molhadas. Tropeçava nas pedras soltas que tentava vencer a cada passo... aquelas que deixei para trás deixavam marcas nas costas. Os espinhos da mata fizeram feridas que ainda sangravam.
Na última tempestade... dias atrás, ... havia me desviado tanto do caminho que quando percebi... estava indo para outro lado.
A minha atenção tinha que ser constante. Os ataques selvagens eram fatais. Ceifavam a vida dos incautos. Perdi muito dos meus entes queridos para esses vorazes caçadores... eram insaciáveis. Nesta selva, a vida valia apenas pelo prazer de se sentir vivo... e, eu queria viver.
Queria subir até o cume daquela colina. Era toda a meta e objetivo que tinha traçado para mim.
Eu buscava um sonho.
E este sonho estava lá. No alto daquela colina onde um dia... eu avistei!
Era um dia claro e soprava uma brisa fresca. Ao passar por uma clareira e sentindo aquele calor gostoso aquecendo minhas costas eu olhei para cima. Gostava de contemplar aquela luz lá no alto, parecendo uma bola de fogo, e embora não desse para ver, sentia-me feliz por ser banhado por aquela cachoeira de luz que caía sobre mim.
Ficava parado ali um dia inteiro. Subia numa pequena rocha e gostava de olhar a paisagem até que aquela bola de fogo desaparecesse por trás da colina.
E foi num desses maravilhosos dias que ouvi um som suave. Era como o bater do meu coração. Fiquei atento, não tremi e nem tinha medo. Sabia que estava num lugar seguro. Estava apenas curioso.
Ouvia esse som, mas não sabia de onde vinha. Aquela bola de fogo sempre me cegava e quando o som passava, sobre a minha cabeça... eu caia da rocha.
Até que um dia... eu vi!
... parecia a imagem de... um anjo!
Eu senti dando voltas em torno... de mim... por um instante, eu vi... olhava para mim... e, ...estava sorrindo. Radiante... parecia mesmo com um anjo... fiquei pasmo! Tamanho foi o susto, que... desmaiei! Caí de onde estava. Estatelei-me no chão.
Quando abri os olhos estava deitado num imenso lençol amarelo. Aquele lugar era macio, cheiroso e rajadas da brisa sopravam intensamente balançando tudo. Eu estava sobre uma plataforma, porque ao olhar vi que tinha a forma de um grande círculo com folhas pontiagudas se elevando nas bordas. Fui até a ponta daquele terraço. Era bem alto. Dava para ver tudo ao longe.
As matas, as florestas, os campos. O terraço ficava no alto da colina. Havia muitos terraços iguais aquele. Já tinha visto estes terraços. Mas diziam que era perigoso subir neles. Éramos alvos fáceis ali em cima para os caçadores implacáveis. Por isso nunca nos arriscávamos a subir. A visão que tinha dali era como contemplar o paraíso. Tudo era de uma beleza estupenda.
O campo visual era tão amplo que bastava girar sobre mim mesmo e tinha uma vista de 360 graus. Incrível como não conseguia ver tudo isso de uma vez só, lá de baixo. E aquela bola de fogo lá no alto, iluminava tudo. Havia um brilho especial naquela paisagem. As cores eram ressaltadas de tal forma que eu ficava maravilhado. E percebia que existia muito mais beleza além daqueles horizontes, onde a minha vista não alcançava.
Estava assim distraído admirando aquele mar colorido diante de mim, quando o anjo chegou. O ar em volta ribombou novamente. Fiquei assustado. Da última vez, eu caí. Agora estava num terraço “mil vezes” mais alto. Se despencasse dali, não conseguiriam juntar meus pedaços.
Um pouco temeroso deixei que aquele encontro fluísse. Que acontecesse o que tinha que acontecer.
Sentia uma emoção estranha, quando ela se aproximou de mim. O meu coração batia disparado. O anjo estava do meu lado. E me olhando... de forma curiosa.
Seus olhos cintilavam. Sua presença era marcante, envolvente. Meus olhos custavam a se acostumar com o brilho do lugar. Ficava quase cego, não só com a beleza que irradiava daquela presença, mas com o sorriso tão lindo, meigo e... cheio de amor!
No primeiro encontro... ensinou-me a descer e subir no terraço. Mostrou a direção do lugar onde eu vivia. Explicou como era o mundo visto ali em cima. O terraço era o lugar onde costumava descansar depois de um longo dia, passeando pela região.
Gostava de ir além daquelas colinas. Disse-me que conhecia lugares além daquele horizonte. Falou-me de outros mundos além daquele no qual eu costumara viver, que eu nem imaginava existir.
Ouvindo... encantava-me com a sua voz...
Aos poucos, me ensinou... a sonhar. E, como viver... o sonho dos anjos!
Depois de cada encontro... era difícil voltar à vida comum... à minha rotina. Tinha meu trabalho, compromissos, responsabilidades, meus próprios objetivos como qualquer um deste mundo, onde eu vivia... ou... pensava que estava vivendo.
Ao conhecer... este anjo.... enquanto aprendia... descobri que a minha vida era pura ilusão. Tudo era limitado demais.
Após ver e assistir lá de cima daquele terraço o mundo em que eu vivia até então, este mundo tornou-se pequeno demais para mim.
O tempo foi passando e... eu compreendendo tudo sobre a vida que este anjo vivia e conhecia. Falou-me muito do meu mundo. De onde... e, como eu vivia. Contou-me o que acontecia com aqueles que sempre desapareciam da nossa vida.
Sim, isto era um fato.
Eu vivenciei muitas dores e sofrimentos pela partida de alguns de nós, por quem eu nutria uma imensa amizade, uma profunda afeição. Simplesmente eles iam. Nunca sabíamos para onde tinham ido. Os anciões diziam que não voltariam mais, tinham partido em direção da bola de fogo.
Um dia, este anjo contou-me a verdade... de como a vida fluía em volta de nós. Como éramos... como nascíamos e, ... para onde íamos um dia, após o nosso ciclo de vida aqui embaixo. Aí, entendi porque eu ficava contemplando, aquela imensa bola de fogo.
Compreendi que buscava a resposta para aquela crença que me condicionaram a acreditar a vida inteira.
A resposta, um dia chegou.
- Quem sou eu?
- Uma lagarta.
- E você?
- Uma borboleta!
Paz!
Shima
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